Por André Ricardo Passos de Souza para o Money Times
09/10/2024
Temos batido na tecla, em colunas anteriores, sobre a diferenciação entre as questões conjunturais (clima, eleições, conflitos internacionais, preços e taxas) que tem influenciado em alguma medida o business no agronegócio brasileiro para diferenciá-las (e por que não desmitificar) eventuais alegações acerca da existência de desafios envolvendo questões mais estruturais que possam surgir no horizonte do nosso setor.
Até porque, sinceramente, a opção por fabricar crises em um setor pujante e estruturalmente firme de nossa economia, não só pode parecer pura maledicência, como pode dar a ideia equivocada de despropositada alegação baseada em oportunismo momentâneo, para não dizer algum interesse enviesado.
Como falamos na última coluna, o “Calote das Galáxias” perpetrado por um importante grupo de distribuição de insumos e serviços no agronegócio pode até ter impactado em alguma medida o setor de distribuição de insumos e serviços no agro e vir a gerar uma momentânea e localizada retração de crédito para alguns negócios na cadeia ampla do agronegócio.
No entanto, o caso está longe de vaticinar a existência de alguma questão mais séria em nível estrutural que possa preocupar, além do razoável para o momento, quem atua no setor com um olhar de médio e longo prazos para os investimentos.
Há mais “espuma” do que mar revolto no horizonte
Mesmo nesse caso emblemático que, de alguma forma, impactou o mercado nos últimos 15 dias, ainda estamos no aguardo de maiores desdobramentos no processo para determinar a real intensidade desses impactos no setor de distribuição de insumos e serviços no agronegócio, já que outros distribuidores que continuam cumprindo o seu papel no mercado, apressaram-se para comunicar que o “joio” deve ser separado do “trigo” em relação aos players do setor e, que, portanto, honrarão seus planos de investimentos, relações com investidores e fornecedores, na medida em que se comprometeram com o mercado e investidores em geral.
Além disso, o próprio processo de recuperação judicial (RJ) ajuizado pela nova recuperanda da praça, a AgroGalaxy (AGXY3), ainda carece de uma marcha processual mais adequada para que alguns credores relevantes, analistas de mercado e demais stakeholders que ainda estão, de certa forma, atônitos buscando entender como de um dia para o outro simplesmente aparece de “debaixo do tapete” de um grupo de empresas com balanço auditado, nível de governança de mercado e tudo mais, uma dívida de cerca de R$ 4,7 bilhão, sem que até hoje se tenha a mínima ideia de como vai se estabelecer um plano de recuperação judicial para saldá-la e recuperar a empresa, como ela mesma se propôs ao ajuizar o pedido de RJ.
Cassandras e outros personagens contam essa história
Dito isso, podemos dizer que já fomos até a mitologia grega para nos socorrer das “cassandras” do mercado, que de tanto falarem do fantasma das RJ’s no agro para os produtores rurais, conseguiram com tal alarde, potencializar a justificativa de algo como esse “Calote das Galáxias”, numa cadeia que, a despeito das questões conjunturais já reprisadas, goza de muita credibilidade, liquidez e ferramentas jurídicas capazes de socorrer tomadores e investidores em momentos de alguma volatilidade de preços e de negociação de vencimentos, prazos e potenciais saídas de situações financeiramente adversas.
Na tentativa de trazer aos nossos leitores um mínimo de explicações, recorremos mais uma vez à literatura e dessa vez nem precisamos ir até a Grécia antiga.
Imaginamos então que melhor seria nos socorrer do grande Stanislaw Ponte Preta que, nos idos da década de 1960, afirmou que fica difícil para o historiador dizer quando o “Festival de Besteiras começou a Assolar o País – Febeapá”, já que em meados daquela década certas “otoridades” – na grafia utilizada pelo grande Stanislaw – começaram a vaticinar desenganos e opiniões que culminaram na instalação da situação insólita de besteiras sendo proclamadas aos quatro ventos com ares de verdade, instaurando um verdadeiro “Febeapá” no país, àquela altura dos idos do século passado.
Difícil replicar o Febeapá no agronegócio
Podemos dizer que a despeito do esforço das “cassandras” de plantão e das “otoridades” de antanho e de então, fica muito difícil transformar alguns comentários que se ouvem daqui e de acolá – derivados de fatos como o que narramos na última coluna, sempre sublinhados em narrativas pra lá de duvidosas – como um problema estrutural no agronegócio brasileiro, já que:
- Seguimos com Plano Safra recorde vigente de cerca de R$ 500 bilhões em recursos registros de títulos do agro na B3 da ordem de R$ 1 trilhão, apontando para pujante e volumoso financiamento ao agro com recursos disponíveis no mercado;
- As ferramentas e instrumentos legais de financiamento ao agronegócio brasileiro, como o Fiagro, por exemplo, continuam a ser aprimorados, como comprova a edição, em meados da semana passada, da normativa do Anexo VI da Resolução CVM n. 175/22, que regulamenta em definitivo esses fundos para amplifica-los em termos de captação e de abrangência de investimentos na cadeia agroindustrial;
- Segundo a FGV-Agro, o PIMAgro – que mede o crescimento da agroindústria brasileira – cresceu 3,7% em julho na comparação ao mesmo mês de 2023 e redundou em um acumulado em 2024 de 3,3%, mesmo com os desafios acarretados pela tragédia das enchentes no Rio Grande do Sul, indicando crescimento “depois da porteira”;
- Na terça-feira (8), o Governo Federal sancionou a Lei do Combustível do Futuro que promete destravar investimentos de R$ 260 bilhões em biocombustíveis para aviação, automóveis e meios de transporte em geral, evitando emissões de 705 milhões de toneladas de CO2 até 2.037, mantendo as perspectivas de crescimento da indústria de biocombustíveis; e
- Segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), mesmo com todos os problemas climáticos e de preços, a expectativa é para um aumento de 8% na safra de grãos no ciclo 2024/2025
Os fundamentos do agronegócio ainda são sólidos
Isso tudo quer dizer que, se em nossas análises considerarmos os fatores conjunturais, dando-lhes o devido peso e importância, porém sem perder de vista os fatores estruturais que sustentam o agronegócio brasileiro, vamos verificar que não há “Febeapá” que se sustente diante dos números e da pujança do agronegócio brasileiro.
Importante deixarmos um pouco de lado nesse momento a barulheira das “cassandras” e o vaticínio das “otoridades” de plantão para focar na realidade do setor que alimenta quase 1 bilhão de pessoas no mundo inteiro e será responsável por garantir à humanidade boa parte do suprimento de comida, energia limpa, fibras de qualidade e sustentabilidade que o planeta precisa até 2050 e depois.
Disponível em: A despeito das RJ’s e cassandras, o agronegócio ainda vai muito bem, obrigado – Money Times