Foi editada em 30/09/24 a Resolução n°. 214/2024 da Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”), que institui o Anexo Normativo VI à Resolução n°. 175/2022, contendo regras aplicáveis aos Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas do Agronegócio (“FIAGRO”).
Importante dizer que, em um cenário de alguns desafios no mercado, agravado por recentes pedidos de Recuperação Judicial de empresas do setor de distribuição de insumos, a CVM reforça seu comprometimento com a maior inserção do agronegócio no mercado de capitais, introduzindo um regramento dinâmico e previamente discutido com o mercado para entregar segurança jurídica a esses agentes que hoje tem nas mãos a gestão de recursos privados da ordem de R$ 37 bilhões em patrimônio líquido (junho/2024), aportados nas mais diversas modalidades de Fundos de Investimento na Cadeia Agroindustrial – FIAGRO – já autorizados a funcionar pela autarquia.
Assim, a partir de um processo de consulta pública para melhorias na regulação até então existente, que era provisória e experimental, conforme dicção da própria Resolução CVM n. 39/21, para o qual o PSAA contribuiu com sua visão sistêmica, expertise de mercado e projeção dos impactos de uma boa regulamentação do FIAGRO no financiamento privado do setor, em mais de 14 (catorze) dos pontos trazidos para discussão pelos agentes de mercado, foram acatadas muitas das considerações feitas à autarquia e foi editada então a norma do Anexo VI à Resolução n°. 175/2022, que vai ao encontro da visão dos principais players de mercado e da autarquia em relação à boa utilização da ferramenta “FIAGRO”, de modo a criar um ambiente regulatório ainda mais favorável ao aporte de capitais privados no financiamento do agronegócio brasileiro.
Dentre as principais inovações trazidas pela nova regulação e que nós do PSAA pudemos mais uma vez colaborar para a discussão e edição da norma, segundo apontamentos da própria CVM no documento divulgado ao mercado no último dia 30/09, destacam-se:
- A possibilidade de os FIAGRO investirem e participarem dos chamados: “mercados de créditos de carbono”, feitas as ressalvas quando à inexistência de mercado regulado de carbono no Brasil, que trouxeram na normativa:
- a obrigação do gestor em verificar a existência, integridade e titularidade dos ativos a serem transacionados pelos FIAGRO; e
- a exigência de que o regulamento do FIAGRO defina como o administrador exercerá controle sobre a titularidade dos créditos ao longo das transações, do funcionamento das classes de cotas do fundo e demais questões de governança e gestão de riscos que envolvem a negociação de ativos em mercado voluntário.
- A ampliação do conceito de “imóveis rurais” – em que nos preocupamos que a normativa adotasse o critério finalístico do imóvel, ou seja, ainda que localizado em área de zoneamento urbano se empregado em atividade da cadeia do agronegócio o imóvel será tido como rural, desde que possua registro no Registro Geral de Imóveis – RGI -, já que integrante das “Cadeias Agroindustriais” a serem fomentadas, principalmente nos “cinturões verdes” das grandes cidades do Brasil, onde se concentra parte significativa da produção de alimentos, inclusive por questões de ordem logística, para a maioria da população urbana;
- A possibilidade da criação do FIAGRO “multimercado” para possibilitar, através de investimentos no veículo, não só a diversificação de ativos do agronegócio e riscos para os investidores, como também uma maior efetividade do FIAGRO introduzido pela Lei n°. 14.130/2021.
Isso porque, antes da edição do novo regramento, cada tipo de FIAGRO deveria se enquadrar analogamente a uma espécie de fundo de investimento preexistente. Exemplificativamente, o FIAGRO constituído para investir em imóveis rurais deveria assumir a forma de um Fundo de Investimento Imobiliário (“FII”) e se restringir a esses ativos, excepcionada a possibilidade de incluir na carteira os Certificados de Recebíveis Imobiliários e do Agronegócio (“CRI e CRA”), inclusive com a aplicação das normas que regem o FII.
De mesma maneira, o FIAGRO que investia em sociedades do agronegócio assumiria a forma do Fundo de Investimento em Participações – FIP e o que investia em direitos creditórios a do Fundo de Investimento em Direitos Creditórios – FIDC.
Ou seja, a estrutura anterior, apesar de avançar frente a um cenário no qual sequer havia o veículo, era engessada justamente por incluir cada tipo de FIAGRO em uma “caixa” moldada para estruturas próprias de outros mercados (FII, FIP, FIDC), além de engessar estratégias de diversificação de carteira e maximização dos ganhos do cotista, já que não era possível, por exemplo, ao FIAGRO investir paralelamente em imóveis ruais e em sociedades que exploram a cadeia ampla do agronegócio.
Com a nova norma, possibilita-se a constituição de um só fundo para investir em todos os ativos da Lei n°. 14.130/2021 concomitantemente, segmentando-os apenas em classes de cotas distintas, todo ele submetido a normas especificamente pensadas e editadas ao veículo em questão, o que não só facilita a vida dos gestores de fundos, mas, principalmente, dilui riscos e custos de constituição e gestão de FIAGROS, maximizando a ferramenta para todos os agentes do mercado.
A alteração era uma demanda latente do mercado, sustentada pelo PSAA em consulta pública, e desde logo tende a surtir efeitos benéficos ao ecossistema, materializados sobretudo no aumento do volume de capital sob custódia dos FIAGRO. A principal inovação ao nosso ver, cujo racional motivou a sugestão do PSAA pelo FIAGRO-Multimercado em consulta pública, é a possibilidade de investimento paralelo em classes de ativos da Lei n°. 14.130/2021 (ex. imóveis rurais) e em cotas de outros Fundos, inclusive FIDC, que invistam em Cédula de Produto Rural (“CPR”), conforme esquema abaixo:

Para ilustrar o cenário, vejamos como o era o panorama antes e depois do Anexo VI no que se refere ao veículo a ser constituído para investimento em determinado ativo vis a vis a norma regulamentadora aplicável:
Ativos | “Antes” | “Depois” |
Imóveis Rurais | FIAGRO-FII – Anexo III da Resolução CVM nº 175 | Classe de Cotas do FIAGRO – Anexo VI |
Participação em sociedades que explorem atividades integrantes da cadeia produtiva agroindustrial | FIAGRO-FIP – Anexo IV da Resolução CVM nº 175 | Classe de Cotas do FIAGRO – Anexo VI |
Direitos creditórios do agronegócio e títulos de securitização emitidos com lastro em direitos creditórios do agronegócio | FIAGRO-FIDC – Anexo II da Resolução CVM nº 175 | Classe de Cotas do FIAGRO – Anexo VI |
Ademais, importante ressaltar que Resolução n°. 214/2024 determina sua vigência a partir do dia 03 de março de 2025 e que os FIAGRO existentes devem adaptar seus regulamentos até o dia 30 de setembro de 2025.
Nesse cenário podemos dizer que, além de nos orgulharmos de mais uma vez nos debruçarmos sobre a ferramenta para, com a nossa experiencia, contribuir para melhorá-la e democratizá-la, tomamos a liberdade de nos disponibilizar para quaisquer esclarecimentos sobre a norma recém editada e seus impactos, inclusive para assessorar os FIAGRO existentes ou em vias de operacionalização na compatibilização de seus regulamentos e demais instrumentos jurídicos de constituição e gestão com o novo regramento.
Atenciosamente,
Passos e Sticca Advogados Associados – PSAA.